Escrito por Priscila Pires
Em uma manhã de sábado sai com alguns amigos rumo ao Mercadão da Lapa, na zona oeste de São Paulo. Dei uma pesquisada sobre sua história, e então parti para o local em busca de tipos humanos, comidas exóticas e bons preços, ou seja, tudo que me inspirasse a escrever um bom texto sobre o local.
Ao chegar, estava empolgada, mas ao mesmo tempo, um pouco receosa. Era a minha primeira saída com bloco e caneta na mão. Não sabia se estava preparada para fazer perguntas e ouvir “nãos”, então prefiri acompanhar os outros potenciais repórteres.
Não precisei andar muito para que as novidades aparecessem. Conheci uma semente crocante,tremoço: ela é mais popular na Europa, apreciada como petisco, e até um tanto perigosa: sem estar cozida, contêm alcalóides, que danificam o fígado humano. Conheci o doce de Buriti, fruta típica de regiões quentes, em especial o norte e o nordeste do Brasil, e o tempero Ajinomoto, que intensifica o sabor dos alimentos, mas que por não ter fermentação natural, mas por glutomato monosódico, que, em 1960, foram conhecidos por um nome curioso: Síndrome do Restaurante Chinês, por uma série de sintomas como enxaqueca, variações de humor, rigidez muscular, e ondas de calor, mas este mito foi desmentido.
Enquanto passávamos pelos corredores do Mercadão, percebia que muitas crianças acompanhavam os pais, e pareciam tão curiosas quanto eu. Lembrei de mim mesma, a menos de 5 anos atrás, quando ainda acompanhava minha mãe e meus avós ao Mercado Municipal do meu bairro, onde comprávamos queijos, carnes e peixes, comia um pastel, cumprimentávamos os atendentes que já nos reconheciam....mas vamos sair das minhas memórias e voltar ao Mercadão da Lapa.
Fomos conhecer uma loja de ervas. Não havia prateleiras separando-as, então o cheiro de camomila se misturava com o cheiro do manjericão e o do eucalipto, e as ervas de banho estavam espalhadas entre as ervas para chá. Fiquei curiosa para saber mais sobre a Losna, a planta do absinto e a Cavalinha. Ambas podiam ser encontradas no Box 58.
Em um site que acumula conhecimentos milenares, o “Google”, descobri que a Losna é boa para problemas de vermífugos e estomacais. Consumida normalmente em forma de chá, não pode ser bebida indiscriminadamente, pois possui uma substância causadora de convulsões, tonturas e delírios. Contudo, os mais rebeldes, como Baudelaire e Van Gogh, eram viciados em seus efeitos alucinógenos.
A Cavalinha, esta erva é a mãe de todas as outras. Sua história é muito rica. Primeiro, porque surgiu no período paleozóico, antes das baratas. Depois, descobri que seu caule oco era usado por pastores para confeccionar uma flauta que estes julgavam capaz de espantar serpentes. Suas propriedades medicinais, se consagraram na Roma Antiga, quando usava-se a cavalinha para tratar problemas respiratórios e infecções urinárias. Como eu disse, sua história é rica e cheia de mitos, atualmente acredita-se que se ingerida em altas doses por grávidas, pode ser abortiva, porém não posso estender demais o assunto. Vou concluir com a propriedade medicinal mais interessante para as mulheres: há receitas de não-ingestão para prevenir estrias, limpeza de pele, dar brilho aos cabelos e fortalecer as unhas.
Passei por uma peixaria com um aquário de frente, do lado dos passantes, pela vitrine de um açougue com grandes línguas de boi expostas e cheguei a uma das tabacarias do Mercadão. Não havia nenhum cliente, apenas os dois atendentes. Não conseguia desviar o olhar de três sacos com uma espécie de corda enrolada, aparentemente bem úmida, me aproximei e li em uma plaquinha próxima a um dos sacos: “fumo de corda forte”, – “Senhor, para que serve fumo de corda?” - perguntei ao atendente mais velho que me respondeu de um jeito que me indicava que ele era o proprietário do Box: - “Serve para fazer cigarros de palha”.
Interessante, nunca tinha visto nem ouvido falar de tal coisa! Estou impressionada até agora e adoraria ver alguém fazer um cigarro desses ali, na minha frente. Sei que meu bisavô fumava, mas meus avós nunca comentaram nada sobre fumo de corda. Acredito que não foi por omissão, ou por terem lembranças ruins ao recordarem de tal coisa, nem nada assim tão dramático e misterioso, mas só porque nunca houve um assunto em nossas conversas que os levasse a comentar sobre o tal fumo.
Ainda passei com uma colega por uma cachaçaria. Enquanto caminhávamos pelo Mercado, ela decidiu presentear ao pai com uma garrafa de cachaça. Você sabia que esta bebida é diferente de pinga? Bom, para mim, leiga demais quanto a bebidas alcoólicas, era a mesma coisa, mas um atencioso vendedor nos explica que pinga é Ypióca e 51, feitas industrialmente. Cachaça pode se considerar mais artesanais, pois recebem tanta atenção quanto os vinhos, , com gosto e coloração diferente para cada tipo de madeira utilizada para confeccionar o barril em que ficarão armazenadas, e tendo seu sabor aguçado espontaneamente pela ação do tempo.
Dez para o meio-dia. Eu e a mesma colega, aquela que comprou a cachaça para o pai, encontramos algumas pessoas do nosso grupo paradas em frente a uma pastelaria, e ao checar as horas, a fome apareceu como mágica. Uma mesa ficou livre e então os demais colegas do grupo foram chegando e se sentaram conosco. Conversa vai, conversa vem. Comunicar-se, senão é a primeira, está entre as três maiores necessidades, além de ser tão natural ao Homem. O futebol teve destaque entre os assuntos, e o estopim foi o Mercadão receber Ademir da Guia, naquela mesma tarde. Era um famoso jogador aposentado pelo Palmeiras, candidato a deputado estadual nas eleições de 2010.
Mesmo que não gostasse muito do assunto, não tentei mudar o rumo da conversa. Aquele era um momento único, a primeira vez que todos deixavam de conversar sobre questões relevantes, escritores e jornalistas literários e podíamos jogar conversa fora, literalmente. Nem me lembro de tudo que foi dito. O importante não era o conteúdo, mas a informalidade e a descontração. Comentar sobre o cotidiano, o trabalho, casos absurdos de amigos, relacionamento e futebol...Descobrir a sentimentos idênticos nos outros em a relação às mesmas coisas.
Sob um olhar prático, foi como um dia qualquer em um mercado qualquer. Comprar guloseimas, um pouco de surpresa com novos produtos, descansar os pés e almoçar algo longe de ser saudável como a comida caseira. Porém, na perspectiva puramente prática falta um pouco de ilusão, da beleza da subjetividade. Encontrarei equilíbrio entre os dois “editando o que meu coração me dita”, como disse, certa vez, Paulo Leminsky. Foi uma das experiências mais interessantes e estimulantes que já tive, espero não esquecê-la, mas me preparo para momentos ainda melhores. Esse é apenas o começo. Também não garanto que se você visitar o Mercadão da Lapa vá se sentir tão bem e surpreso como Eu. Mesmo assim, vale encorajar, e dizer que experiências são relativas, e essa foi a minha, então prepare sua carteira, faça sua rota, e abrace a idéia de conhecer os Boxes, os passantes, os vendedores, e os produtos o Mercadão você mesmo, de mente aberta, sem expectativas e idéias pré-concebidas. Se você encarar dessa maneira, sairá sem dúvidas, com algo novo, uma idéia, um sentimento, ou uma boa recordação para si.

